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A fiscalização da proteção de dados

17 de abril de 2023
Fonte: Jornal Valor Econômico – SP

Normas contam com certa elasticidade para não nascer obsoleta Texto resumo para homepage do site.

Por Nairane Rabelo

A ANPD é a autarquia responsável por operacionalizar a proteção de dados pessoais a partir da atuação orientadora, reguladora e fiscalizadora. Cabe ao agente regulador promover o desenvolvimento harmonioso do sistema de proteção de dados pessoais, fornecendo parâmetros que viabilizem equilíbrio e dinamicidade.

Nesse contexto, importante ressaltar que, segundo a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), a disciplina da proteção de dados tem como fundamentos, entre outros, o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação; a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.

São parâmetros essenciais e a ANPD não pode se afastar deles e nem arredar dos segredos comercial e industrial. Embora na teoria os preceitos da LGPD pareçam endereçar as preocupações, o mercado ainda se mostra irrequieto com a atividade da autarquia e com os reflexos nos novos e antigos modelos de negócio.

A norma fiscalizatória traz garantias aos cidadãos do seu direito constitucional à proteção de dados pessoais, além de acenar para o resto do mundo que o Brasil vem se alinhando com as mais modernas e responsivas práticas regulatórias e fiscais

Sabe-se que ter acesso a dados pessoais e ao comportamento das pessoas é um dos motores da inovação tecnológica e que repercute, muitas vezes, em domínio econômico, especialmente no mercado, voltado cada vez mais à personalização, com forte tendência a produtos e serviços que atendam ao perfil individualizado de quem os procura.

Como a ANPD está em exercício apenas desde novembro de 2020, ainda não foi juridicamente possível deliberar sobre muitos conceitos e temas, por isso cada ato seu é objeto de expectativa para segurança, alvedrio, boa-fé e lealdade no cenário competitivo. É o legítimo medo do desconhecido. Não é à toa que a norma de fiscalização e a de dosimetria das penalidades atraíram tanto a atenção. Tais normativos estão inseridos no poder de polícia administrativo da atividade regulatória da autarquia e são elementares para instrumentalização dos meios coercitivos para que a LGPD seja cumprida.

Em outubro de 2021, com menos de 1 ano de funcionamento, em aceno à segurança jurídica e a um comportamento responsável e não arbitrário, a ANPD aprovou a Resolução nº 1/2021 para regulamentar o processo de fiscalização e sancionamento.

Procedimentos instaurados e evidências, assim como critérios como risco, gravidade, atualidade e relevância, devem guiar a ANPD na tomada de decisões que impactarão no ambiente regulado e no âmbito do planejamento fiscalizatório, inclusive para a formulação do Mapa de Temas Prioritários da fiscalização.

Em fevereiro de 2023, a ANPD publicou a Resolução nº 4/2023, que regulamenta a dosimetria e a aplicação de sanções, o que fez depois de recebidas numerosas contribuições da sociedade.

Da mesma maneira, foi possível começar a observar quais setores podem vir a ser mais demandados. Boa parte, aliás, confirma a expectativa social. São eles: financeiro, telecomunicações, setor público, agregador de dados, redes sociais e plataformas digitais, varejo, saúde, educação, serviços de TI, farmácia, energia, entre outros. A Resolução nº 4/2023 elegeu critérios para classificar as infrações em leve, média ou grave e correlacioná-las às sanções possíveis.

Sob o aspecto da transversalidade dos assuntos que envolvem dados pessoais, da segurança jurídica e da continuidade da prestação de serviços, é de alguma forma tranquilizadora para o mercado a previsão de que, em sendo o caso de aplicar as penalidades mais graves, tais como a proibição ou a suspensão do tratamento de dados pessoais, a ANPD dará ciência ao principal órgão ou entidade reguladora setorial a que se submete o controlador para que se manifeste sobre eventuais consequências da imposição das sanções para o exercício de atividades econômicas reguladas.

Embora o regulamento de dosimetria tenha robusta densidade normativa, há quem se ressinta de não terem sido adotados critérios ainda mais objetivos. Ocorre que é impossível acompanhar a dinamicidade da economia, da tecnologia e do comportamento social. Dessa maneira, para que a norma não nasça já obsoleta e seja razoavelmente amoldável às novas circunstâncias, é elementar que conte com certo grau de elasticidade.

O artigo 27 da referida resolução, por exemplo, está sendo palco de discussão ao dispor que a ANPD poderá afastar a metodologia de dosimetria de sanção de multa ou substituir a sua aplicação por outra do regulamento nos casos em que for constatado prejuízo à proporcionalidade entre a gravidade da infração e a intensidade da sanção.

É impossível definir critérios objetivos que possam ser utilizados em todas as situações, inclusive para aquelas sem possibilidade de previsão, tendo em vista que, muitas vezes, sequer existiam quando da elaboração da norma. Inclusive, tal abordagem de aplicação responsiva e proporcional não limitada aos critérios objetivos do cálculo da multa já é adotada por agências reguladoras como a Aneel e a Anatel.

Uma fórmula objetiva para a aplicação de sanção é importante para circunscrever a penalização a partir dos desafios enfrentado por outros organismos públicos antecedentes à ANPD, verificou-se que, embora funcione para a maior parte dos casos, alguns precisam de abordagem diferente para o alcance da proporcionalidade.

O que é inafastável, por outro lado, é a necessidade de motivação da decisão de forma suficiente a demonstrar a necessidade e a adequação da medida imposta, a desproporcionalidade da medida anterior, o interesse público a ser protegido e os parâmetros adotados na aplicação da sanção, consideradas as consequências práticas da decisão.

A ANPD como entidade neófita - sendo vista por muitos como a autarquia do futuro - tem o bônus e o ônus de observar o que funciona e o que não funciona no ordenamento jurídico, seja para regulação, seja para fiscalização.

Na regulação, com o objetivo de se chegar à melhor previsão possível, a participação social vem sendo seriamente considerada pela ANPD e, desde a resolução do processo de fiscalização, a entidade já demostrou que seu viés não será buscar a todo custo aplicar sanções, mas sim a participação do regulado no processo e o resultado efetivo da adequação à LGPD.

O uso de multas, no formato que restou popularmente conhecido como fábrica de multas, e o extremo rigor formal já deram provas de que não produzem resultado efetivo pretendido. Resta à ANPD adotar práticas que fujam dos métodos fracassados sem, por outro lado, estimular a impunidade.

É por isso que, embora a orientação e a prevenção façam parte do processo de fiscalização, e a cooperação e a boa-fé sejam parâmetros para o sancionamento, o que o agente de tratamento fazia antes de a ANPD bater à porta e os riscos aos quais se sujeitava, nutrem relevante importância.

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