Benefício de PIB potencial maior pode ter chegado ao fim
01 de julho de 2024Investimentos permanecem aquém do necessário para acelerar decisivamente espaço de crescimento do Brasil, dizem economistas
Por Anaïs Fernandes — De São Paulo
O avanço da atividade e do emprego no setor de serviços no início de 2024, em detrimento ao desempenho da indústria, e a forte esticada das importações podem ser sinais, segundo especialistas, de que a economia brasileira cresce ao redor de seu potencial. Ao longo de 2023, o Produto Interno Bruto (PIB) do país também avançou com força e, mesmo assim, a inflação cedeu, o que pode indicar que o PIB potencial do Brasil foi maior no período. Essa contribuição para um crescimento não inflacionário, no entanto, deve ser passageira, alertam economistas.
Medida de ociosidade da economia, o hiato do produto refere-se à diferença entre o PIB efetivo e o potencial - aquele que seria alcançado usando de forma plena todos os fatores de produção, como mão de obra e capital. Se o PIB efetivo está muito abaixo do potencial, nem todos os recursos são empregados de maneira eficiente, e o hiato é negativo. Quando essa ociosidade dos fatores da economia é ocupada, diz-se que o hiato fechou, e ele fica positivo. Tanto o PIB potencial quanto o hiato são “variáveis não observáveis”, ou seja, cuja medição pode ser feita com base em diferentes metodologias.
Os dados do mercado de trabalho sugerem que a economia se encontrava próxima ao pleno-emprego (se não acima dele) já no primeiro trimestre de 2024, diz a consultoria A.C.Pastore & Associados. Nesse contexto, aponta, a expansão da demanda doméstica não pode ser integralmente atendida pelo aumento da produção local.
Como os serviços, tipicamente, não podem ser importados ou terem sua exportação reduzida, a expansão da demanda doméstica tem de ser atendida localmente, afirma a Pastore. Daí, por exemplo, o crescimento de 1,4% dos serviços no primeiro trimestre de 2024, ante o quarto trimestre de 2023, que deve ter adicionado cerca de R$ 22 bilhões ao PIB do período.
Na indústria, por outro lado, a demanda pode ser atendida por importações maiores e exportações menores, à exceção da construção e dos serviços industriais, segundo a consultoria. “Faz sentido, portanto, o aumento do déficit na balança comercial da indústria de transformação, de pouco menos de US$ 9 bilhões no trimestre final de 2023 para pouco mais de US$ 11 bilhões no primeiro trimestre de 2024”, afirma em relatório.
As exportações líquidas, embora permaneçam em terreno positivo, nota, encolheram quase R$ 27 bilhões, refletindo o forte incremento das importações no primeiro trimestre de 2024 (6,5%, ante o quarto trimestre de 2023), enquanto as exportações ficaram praticamente estagnadas (0,2%).
“Dito de outra forma, com a economia operando perto de seu potencial, a expansão da demanda doméstica tende a se materializar em elevação do PIB de serviços, mas não no caso do PIB industrial, no qual importações (líquidas) podem suprir o aumento do consumo de bens industriais”, escreve a equipe da Pastore.
Nesse sentido, eles também dizem esperar que a ocupação no setor de serviços supere a industrial, visto que o aumento da produção requer deslocamento da mão de obra para o setor.
“Se nosso diagnóstico estiver correto, devemos esperar padrão similar nos próximos trimestres, qual seja, expansão de serviços superando consistentemente o crescimento industrial (principalmente no que tange à manufatura)”, diz a equipe da Pastore.
Esse comportamento também deve transparecer na produção de bens de capital, aponta a consultoria. “O déficit da balança de bens de capital, que ficou estável na casa de US$ 2 bilhões por três trimestres em 2023 (do segundo ao quarto), saltou para US$ 4 bilhões no primeiro trimestre de 2024, refletindo, acreditamos, exatamente a aceleração do investimento no trimestre”, dizem. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), medida para os investimentos no PIB, subiu 4,1% no primeiro trimestre deste ano, em relação aos três meses imediatamente anteriores, quando avançou 0,5%.
Fabio Kanczuk, diretor de investimentos da ASA Asset, diz que é delicado olhar para o PIB trimestral em busca de informações sobre a ociosidade da economia e o PIB potencial do país.
“Considerando o período de um ano, podemos ter algumas informações, e eu diria que a coisa mais importante é a taxa de investimento. Se ela aumenta, significa que coisas bonitas estão acontecendo, as pessoas estão investindo mais, pode ter mais produtividade e, aí, é um sinal de que o PIB potencial está crescendo”, afirma.
O que se observou, no entanto, é que, apesar de o investimento ter sido melhor no primeiro trimestre de 2024, a taxa de investimento no Brasil ainda é bem baixa e menor do que era no passado, diz Kanczuk. “É sugestivo de que não tenha um crescimento sustentável de produtividade ou PIB potencial.”
Ex-diretor de Política Econômica do Banco Central, área responsável pelos modelos da autoridade monetária, Kanczuk diz que, embora as pessoas gostem de pensar que mudanças no PIB potencial ocorrem de forma suave e estrutural - isto é, a médio-longo prazo -, oscilações são frequentes.
Seu modelo de cálculo do hiato não depende apenas de informações sobre atividade econômica (como emprego e utilização da capacidade instalada), mas também sobre preços, como inflação e câmbio. “Se a inflação caiu bastante durante 2023, seria estranho que o hiato estivesse positivo [sem ociosidade na economia]. Provavelmente, é o PIB potencial que estava maior naquele momento e o hiato era negativo. E é essa resposta que o modelo me dá”, diz Kanczuk.
Segundo ele, o modelo apontou, ao longo de 2023, que o hiato ficou negativo em torno de 1%. Como a economia cresceu ao redor de 2,5%, a indicação é de um PIB potencial também perto de 2,5%, diz Kanczuk, observando que isso seria maior do que o potencial do Brasil antes da pandemia.
Para o primeiro trimestre de 2024, a sinalização é que esse hiato fechou e se aproximou da neutralidade. “É cedo para dizer ainda, porque foi um trimestre só, mas a minha impressão é que a realidade mudou. Um por cento parece pouco, mas, para um trimestre, a variação do hiato foi grande”, afirma.
Para dar ideia da magnitude, Kanczuk diz que, do crescimento de 0,8% do PIB no primeiro trimestre deste ano, boa parte foi só para suprir o aumento da demanda. “Isso não é bonito, porque uma hora vai impactar a inflação.”
Por isso, para ele, a sensação é que “o benefício do PIB potencial foi algo supertemporário, que durou em 2023 e está com cara de que acabou”, afirma. “A impressão é que o PIB potencial meio que voltou ao ritmo anterior à pandemia, ao redor de 1,5%”, diz.
A consultoria Pastore concorda que, mesmo com a melhora nos dois últimos trimestres, a FBCF permanece aquém do necessário para acelerar decisivamente o crescimento potencial do PIB brasileiro. Os economistas destacam que o investimento, como proporção do PIB, nos últimos quatro trimestres permanece em queda, ao redor de 16% no primeiro trimestre de 2024, contra pico recente de 19,5% ao fim de 2021 e patamares próximos a 20% do PIB na primeira metade da década passada.
Com outra visão, o Bradesco destaca que a taxa de investimento subiu entre o último trimestre de 2023 e o primeiro de 2024, para 16,7% do PIB, feito o ajuste sazonal, um sinal de recuperação, apesar de seguir abaixo da média histórica de 17,9%. O banco espera uma taxa de 17,3% do PIB ao fim deste ano.
Considerando o ritmo atual de crescimento da produtividade total dos fatores, de 0,5% segundo o Bradesco, e o crescimento da população economicamente ativa, restava uma contribuição maior da FBCF “para encontrarmos um PIB potencial acima de 2%”, diz a economista Mayara Santiago em relatório. “Com os resultados deste primeiro trimestre, essa contribuição mais positiva confirmou nossa expectativa de algum ganho de potencial nos últimos anos, em parte em resposta às reformas realizadas e em parte a alguns fatores conjunturais”, afirma.
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