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Com concorrência de aplicativos, empresas adotam jornada 5x2

06 de outubro de 2025
Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo

Embora não seja uma tendência, pois envolve custos, varejistas e prestadores de serviço se movimentam para atrair e manter trabalhadores com qualidade de vida

 

JAYANNE RODRIGUES MÁRCIA DE CHIARA

FELIPE RAU/ESTADÃO

 

‘A gente não consegue descrever a alegria’, diz Tiago Pavel

 

Embora não seja tendência, por envolver custos, varejistas e prestadores de serviço se movimentam para atrair e manter trabalhadores. Depois da coquetelaria, a segunda coisa que Tiago Pavel, de 43 anos, mais gosta na vida é tocar guitarra e bateria. Em 2017, quando começou a trabalhar como bartender, teve de deixar a banda de rock que tinha com os amigos. Era impossível conciliar a jornada de trabalho de seis dias na semana e apenas uma folga num hotel de luxo de São Paulo com os ensaios e as apresentações na noite paulistana.

 

Na última terça-feira, Pavel estava radiante e fazia planos de retomar os ensaios do seu conjunto musical. Naquele dia, a empresa em que ele trabalha, o Palácio Tangará, dava início a um novo esquema de jornada. A escala semanal passou a ser de cinco dias de trabalho com duas folgas (5x2) e a carga horária semanal foi reduzida em duas horas, sem que houvesse corte no salário.

 

A decisão do Palácio Tangará, na zona sul de São Paulo, foi adotada também pelas redes de drogarias São Paulo e Pacheco. O movimento dessas empresas, que ainda não é tendência no empresariado, pois envolve custos, tem relação direta com o interesse dos trabalhadores por atividades que podem não oferecer estabilidade como um serviço com carteira assinada, mas dá flexibilidade de horários, como é o caso de aplicativos de transporte e entrega.

 

Perspectiva

Para especialista, mais tempo livre representa mais saúde, e se reflete em benefício para companhia.

 

Segundo Maíra Blasi, especialista em futuro do trabalho, a escala 5x2 para os trabalhadores representa mais tempo e qualidade de vida. “Um único dia para cuidar da casa, da saúde ou da família é pouco. Saúde mental vai além de planos de saúde, envolve reduzir carga de trabalho e melhorar salários”, afirma a especialista. Maíra acrescenta que os benefícios se estendem para as empresas, com funcionários mais descansados e melhoria no atendimento. “Estresse e cansaço reduzem paciência e desempenho.”

 

APLICATIVOS.

Conforme a especialista, muitos trabalhadores consideram que não vale mais a pena atuar em estabelecimentos como farmácias ou mercados, em escalas 6x1, pois podem se cadastrar para uma vaga sem ter de passar por um processo seletivo rigoroso.

 

Segundo Maíra, também conta o fato de que um trabalhador que tem pouco tempo para cuidar de si e da família procura outros modelos de jornada para ter mais tempo livre. Ela alerta, porém, que esse tipo de trabalho “traz uma falsa sensação de flexibilidade”, pois é preciso se manter na ativa para que o ganho seja regular.

 

Atualmente, o Brasil soma 1,7 milhão de entregadores por aplicativo, segundo dados do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Pesquisa da entidade divulgada em junho mostrou que o número de motoristas que trabalham em aplicativos para transporte de passageiros cresceu 35% no período de 2022 a 2024, enquanto o aumento dos entregadores foi de 18%.

 

Com a decisão de adotar a jornada de trabalho 5x2 – duas folgas por semana a cada cinco de expediente –, os funcionários do hotel de luxo Palácio Tangará, na zona sul de São Paulo, passaram a ter 104 folgas por ano, ante 65 na escala 6x1. Também houve redução da jornada semanal de 44 horas para 42 horas, a fim de acomodar a redução dos dias trabalhados na semana e não sobrecarregar a jornada diária, aumentada em cerca de uma hora.

 

“Além de atender ao desejo da maioria (dos trabalhadores), a decisão também fortalece o posicionamento do Palácio Tangará como empregador de referência”, diz o gerente-geral do hotel, Celso do Valle. Segundo ele, nenhum outro hotel de luxo em São Paulo oferece a escala 5x2 a 100% dos funcionários e isso torna a empresa ainda mais atrativa para a contratação e retenção de mão de obra qualificada.

 

A mudança, que entrou em vigor na semana passada, agradou ao bartender Tiago Pavel. “A gente não consegue descrever a alegria”, disse Pavel ao Estadão. Segundo ele, o contentamento não era só pela jornada 5x2, mas por ter mais qualidade de vida e diminuir a carga horária. A mudança é “equivalente a um belo aumento de salário”, resumiu o bartender.

 

Para bancar a mudança, o Palácio Tangará, do grupo alemão Oetker de hotéis de luxo, vai desembolsar R$ 2 milhões por ano. A despesa aumentou por conta da contratação de 27 funcionários, a fim de redistribuir a carga horária e as jornadas. Com isso, o total de empregados subiu para 356.

 

VAREJO FARMACÊUTICO.

No varejo farmacêutico, as Drogarias São Paulo e Pacheco, do Grupo DPSP, anunciaram que todas as unidades passaram a adotar a jornada 5x2. A rede é a primeira do setor farmacêutico a fazer essa transição, que deve impactar cerca de 24 mil funcionários distribuídos entre administrativo, lojas e centro de distribuição.

A empresa afirma que o objetivo é oferecer mais bem-estar e qualidade de vida aos empregados. Para atender as 44 horas semanais previstas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a empresa adaptou a carga horária.

 

Agora, a jornada diária é de 8h48 minutos. Com as duas folgas semanais, o número de dias de descanso subiu de 64 para 96 dias ao ano. A mudança é apresentada pela rede como um passo dentro da política de valorização de pessoas.

 

Questionado, o Grupo

Sem definição Apesar do pioneirismo de algumas empresas, debate sobre o tema está parado no Congresso DPSP não detalhou se houve contratações extras para viabilizar a transição. Também não quis informar os custos da operação, alegando que “todas as alterações financeiras foram previstas”. A empresa informa que está concluindo “novos estudos de impacto” após os ajustes na jornada. O grupo informou ainda que aposta que o modelo pode se tornar referência para o setor.

 

DIFERENCIAL.

Joaquim Pereira, country manager e responsável pela implementação da rede sueca H&M no Brasil, disse ao Estadão na ocasião da inauguração da primeira loja no Shopping Iguatemi, em São Paulo, em agosto, que a varejista implementou a escala 5x2, enquanto a maioria do varejo brasileiro adota a 6x1, por uma questão de valores.

 

Presente em 79 países, a jornada reduzida é o padrão da companhia no mundo. “Achamos que, com essa decisão de ter escala 5x2 no Brasil, poderemos dar esse benefício a todos os nossos funcionários e, ao mesmo tempo, ajudar o varejo a modificar isso (escala de trabalho). Todos têm o direito a passar tempo com a sua família, ter vida privada, independentemente de trabalhar no varejo.”

 

ENTRAVES. Mesmo com o pioneirismo de algumas empresas, atualmente o debate sobre o fim da jornada 6×1 está parado no Congresso Nacional. Em julho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que planejava reunir empresários e trabalhadores para apresentar uma “nova forma de se trabalhar” no Brasil.

 

Na opinião do presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo e presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, a decisão de algumas redes varejistas de adotar a jornada 5x2 deve forçar a concorrência a seguir o mesmo caminho. “Vai ser um instrumento facilitador para o que estamos buscando. Queremos esse 5x2 já faz tempo.”

 

Para a especialista em trabalho Maíra Blasi, a jornada reduzida pode demorar a ganhar escala no Brasil, mas estima que empresas preocupadas em reter talentos devem adotar o novo formato nos próximos anos. “Existe a ideia de que isso não funciona aqui. Mas casos que estão surgindo podem moldar uma nova cultura”, diz.

 

Procurada, a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) afirmou que não irá se manifestar e aguarda os desdobramentos legais para definir um posicionamento formal.

 

A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) disse, por meio de nota, que “incentiva a busca de soluções através da negociação coletiva”. A alternativa de mediação, segundo a entidade, “é um importante instrumento de ajuste entre os atores sociais, também para deliberações acerca da jornada laboral entre empregadores e trabalhadores. Tal ferramenta permite que sejam levadas em conta as peculiaridades e possibilidades regionais dos diferentes setores da economia, inclusive do comércio de bens, serviços e turismo”.

 

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