Complexo da saúde: Brasil avança rumo à autossuficiência em insulina
31 de julho de 2025Avanços regulatórios, investimentos na produção nacional e transferências tecnológicas começam a mudar cenário na saúde pública
Rafael Costa
Diretor de Acesso ao Mercado, Alianças Estratégias, Marketing e Vendas da Biomm
A trajetória do Brasil no enfrentamento do diabetes sempre foi marcada por contrastes: de um lado, o esforço histórico para garantir medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS); de outro, a dependência crônica da importação de insulina — essencial para milhões de pacientes que convivem com a doença. Felizmente, esse cenário já começou a mudar.
Trata-se de uma mudança extremamente relevante, considerando que o Brasil está entre as primeiras posições no ranking global do diabetes: são 16,6 milhões de pessoas com diabetes, número que coloca o país entre os cinco com maior incidência no mundo, segundo o Atlas Internacional de Diabetes.
Com a entrada em operação de uma fábrica nacional em Minas Gerais, no ano passado, o país deu um passo decisivo rumo à autossuficiência de produção de insulina, reforçando a soberania sanitária e a capacidade produtiva do Complexo Econômico-Industrial da Saúde.
O desafio é ainda maior quando se observa o impacto sobre o SUS, que precisa garantir acesso contínuo a diferentes tipos de insulina — por muito tempo restritos a processos de fornecimento complexos e dependentes de marcas estrangeiras.
Essa vulnerabilidade ficou evidente nos últimos anos. Repetidos episódios de desabastecimento, licitações emergenciais e os altos custos atrelados à importação de medicamentos sem registro sanitário na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) geraram instabilidade e preocupação entre pacientes e profissionais de saúde.
A produção nacional surge, portanto, como uma resposta estruturante a esse problema — não apenas pelo abastecimento, mas pela perspectiva de inovação, transferência de tecnologia, que confere previsibilidade na entrega e consistência no abastecimento, além de geração de conhecimento em território nacional.
Esse avanço também faz parte de um movimento mais amplo: a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, relançada pelo governo federal em 2023.
A iniciativa visa fortalecer a capacidade produtiva e tecnológica do país na área da saúde, incentivando a fabricação nacional de medicamentos, vacinas, equipamentos médicos e outros insumos estratégicos. Além de reduzir a dependência externa, a estratégia busca gerar empregos, atrair investimentos e posicionar o Brasil como um polo regional de inovação em saúde pública.
Outras iniciativas relevantes que contribuem de forma positiva para este cenário é o avanço das Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDP). Este modelo busca justamente fortalecer a produção local de medicamentos considerados estratégicos para o sistema público de saúde, garantindo acesso contínuo, previsibilidade orçamentária e domínio tecnológico ao país.
A meta da parceria é ambiciosa, mas totalmente factível: transferir tecnologia para que o insumo farmacêutico – no caso, os cristais de insulina produzidos por biofarmacêuticas no exterior —passe a ser produzido no Brasil, consolidando uma cadeia produtiva completa e autônoma. Somente neste ano, duas parcerias deste tipo já foram assinadas, envolvendo órgãos públicos como a Funed (Fundação Ezequiel Dias) e a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e garantindo o fornecimento de insulinas humanas e de ação prolongada, a glargina, para os pacientes atendidos pela saúde pública.
Aliás, o cenário regulatório das PDP também evoluiu a passos largos nos últimos anos, sendo que, no ano passado, o Ministério da Saúde publicou a Resolução Gecis 01/2024, que atualiza as diretrizes para esse tipo de parceria. O novo marco legal fortalece a governança técnica, introduz critérios mais rigorosos de avaliação, exige comprovação real de capacidade de absorção tecnológica pelos laboratórios públicos e redefine indicadores de desempenho.
A norma também estabelece mecanismos de rastreabilidade, transparência e reavaliação periódica, aumentando a eficácia e o controle sobre as transferências tecnológicas, e priorizando produtos com alto impacto para o SUS. Trata-se de uma evolução necessária para consolidar estas parcerias como instrumentos modernos e eficientes de política pública em saúde.
Essa transformação carrega múltiplos significados. Para o Estado, representa autonomia, planejamento e economia. Para os laboratórios públicos, um caminho para inovação e fortalecimento técnico. Para a indústria, oportunidades de inserção sustentável no mercado público. Mas, acima de tudo, é para os pacientes que essa mudança se traduz em vida, qualidade e tranquilidade.
O Brasil, que por anos caminhou à sombra da dependência, começa agora a escrever um novo capítulo em sua história sanitária. O caminho da produção nacional de insulina não é só uma política industrial, mas de cuidado ao paciente do SUS. Portanto, é também o caminho de mais saúde e bem-estar para a população e de sustentabilidade para o sistema de saúde nacional
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