Depressão pode estar associada a alterações nas bactérias que vivem no intestino
14 de fevereiro de 2023Cientistas holandeses identificaram variações na população de 13 grupos do microrganismo entre pacientes com sintomas da doença.
Por Bernardo Yoneshigue — Rio de Janeiro
A depressão é um dos transtornos de saúde mental mais comuns, prevalente em 11,3% da população brasileira, de acordo com a última pesquisa Vigitel, do Ministério da Saúde, e em cerca de 5% da população adulta mundial, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS).
No entanto, ainda que existam tratamentos considerados eficazes para o diagnóstico, os mecanismos biológicos exatos por trás da doença são pouco estabelecidos. O desconhecimento motiva uma série de estudos que buscam desvendar a depressão, e um deles, publicado na revista científica Nature Communications, aponta que o intestino pode ter um papel maior do que se imaginava.
Cientistas do Centro Médico da Universidade Erasmus de Roterdã e da Universidade de Amsterdã, ambos na Holanda, analisaram amostras de fezes de mais de 2,5 mil pessoas, parte de duas amplas pesquisas, e identificaram uma associação entre 13 bactérias da microbiota intestinal – população de trilhões de microrganismos benéficos para o organismo que vive no órgão – e indivíduos com sintomas da doença.
“Nosso estudo sugere que a composição do microbioma intestinal pode desempenhar um papel fundamental na depressão”, escrevem os responsáveis no estudo.
O trabalho foi publicado pouco depois que uma ampla revisão de pesquisadores internacionais, publicada no periódico Molecular Psychiatry, concluiu que não há “evidências consistentes de haver uma associação entre serotonina e depressão”. A falta do neurotransmissor era uma das principais teorias por trás das causas do diagnóstico, mas vem sendo alvo de discussão nos últimos anos, que apontam para um caráter multifatorial do quadro.
Ainda assim, um outro estudo, publicado no British Medical Journal (BMJ), analisou dados de 73, 3 mil pessoas entre 1979 e 2016 e constatou que os antidepressivos que funcionam com base no neurotransmissor de fato são eficazes para tratar a doença, porém em apenas 15% dos casos foram observados benefícios consideráveis dos medicamentos a longo prazo.
Em meio a esse debate, o novo estudo dos cientistas holandeses aponta que a resposta pode estar mais distante do cérebro em si, e mais próxima do intestino.
“Há evidências crescentes de que a microbiota intestinal pode influenciar a atividade cerebral e o comportamento por meio de vias neurais e humorais e pode ter aplicações translacionais no tratamento de distúrbios neuropsiquiátricos”, escreveram os cientistas. Porém, até então os trabalhos eram restritos a modelos animais ou a pequenos grupos de participantes.
Agora, os cientistas analisaram dois estudos em andamento com mais de 2,5 mil pessoas para ampliar as evidências sobre o tema. Primeiro, investigaram 1.054 pessoas, parte de uma pesquisa do Centro Médico da Universidade Erasmus de Roterdã.
Os voluntários tiveram as fezes coletadas, material utilizado para identificar a composição da microbiota intestinal. Após a análise, os responsáveis pelo trabalho encontraram variações na população de bactérias entre aqueles com queixas de sintomas de depressão.
Em seguida, compararam os resultados com amostras de 1.539 indivíduos, que fazem parte de uma outra pesquisa, da Universidade de Amsterdã. Esse segundo grupo tinha a particularidade de abordar etnias diferentes, com participantes de origem holandesa, surinamesa, ganense, turca e marroquina. O procedimento comprovou a associação entre as bactérias e o transtorno mental.
Ao todo, foram 13 grupos de microrganismos alterados nos pacientes com o diagnóstico. Na maioria dos casos, o quadro foi relacionado a populações reduzidas das bactérias. Porém, algumas estavam em maior abundância entre aqueles com os sintomas.
“Essas bactérias são conhecidas por estarem envolvidas na síntese de glutamato, butirato, serotonina e ácido gama-aminobutírico (GABA), que são neurotransmissores essenciais para a depressão”, escreveram os cientistas. Mais de 90% da serotonina do corpo humano é produzida no intestino.
“Agora que sabemos quais distúrbios no microbioma são significativos para a depressão, isso abre novas possibilidades de tratamento e prevenção.
O que é urgente”, diz a psiquiatra e pesquisadora do departamento de Psiquiatria da Universidade de Amsterdã, que fez parte do estudo, Anja Lok, em comunicado.
Jos Bosch, pesquisador do departamento de Psicologia da universidade, que também fez parte do trabalho, explica que as alterações não foram causadas por fatores de estilo de vida como peso e tabagismo, mas considera que a alimentação pode ter um papel.
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