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Do ‘chão da fábrica’ à vice-presidência de uma farmacêutica gigante

22 de março de 2024
Fonte: Jornal Valor Econômico – SP

‘A perspectiva para este ano é faturar R$ 4 bilhões e chegar a R$ 5 bilhões em 2025’, diz Karla Marques Felmana, da empresa familiar Cimed.

Por Darlene Dalto — Para o Valor, de São Paulo

Vice-presidente da Cimed, uma das maiores empresas do setor farmacêutico do Brasil, com faturamento de R$ 3 bilhões no ano passado, Karla Marques Felmanas tinha pouco mais de 400 seguidores em sua conta no Instagram em 2021.

A conta era privada, apenas pessoas mais próximas tinham acesso ao que ela postava. Quando, nessa época, ela foi parar na lista das 20 Mulheres de Sucesso da “Forbes”, sua amiga de infância e assessora de imprensa Taciana Veloso sugeriu que abrisse a conta para o público em geral. Aquele reconhecimento precisava ser divulgado. A sugestão foi aceita.

Hoje Felmanas, também conhecida como Karla Cimed, fala diretamente com 2 milhões de pessoas nas redes sociais - tem mais de 1,2 milhão de seguidores no Instagram e 730 mil no TikTok -, um público majoritariamente jovem e feminino que acompanha suas postagens: sua rotina diária, seus looks, suas viagens dentro e fora do país, suas conversas com os filhos e, não menos importante, também os lançamentos e as ações de marketing da marca. No TikTok ela teve até agora 16 milhões de curtidas.

Todo esse barulho digital se transforma em vendas. O produto mais conhecido da empresa hoje em dia é o hidratante labial Carmed. Se ele antes vendia R$ 1 milhão, passou a vender R$ 50 milhões por mês.

Prestes a completar 50 anos em julho próximo, casada com o empresário Marcelo Felmanas, da 6F Decorações, três filhos, uma árvore no currículo - ela plantou um ipê amarelo na fábrica da Cimed em homenagem ao pai João de Castro Marques, que faleceu em 2022, as cinzas foram dispostas ao redor -, a empresária acaba de lançar seu primeiro livro.

“Oi, Tchurma” é uma coleção de histórias, algumas muito íntimas, pensamentos sobre assuntos que lhe importam, como maternidade, fé, independência financeira, sexo, pensamento positivo e gratidão e ensinamentos que aprendeu com os pais, Claudia e João.

O título vem da forma como ela chamava os amigos da escola na adolescência e como hoje conversa com os seus seguidores. “Comecei a pensar em escrever um livro para ampliar a troca que eu tenho nas redes sociais, para falar com mais profundidade porque ali é tudo muito rápido”, conta. “Mas eu não queria uma biografia, então pensei nos valores importantes na minha vida e a partir deles fui escrevendo.”

O local escolhido para este “À Mesa com o Valor” é a sede da Cimed, no terceiro andar de uma das torres do edifício Pátio Victor Malzoni. Janelas enormes dão para o gramado em frente ao prédio, àquela hora repleto, e para a avenida Faria Lima, o trânsito ininterrupto como sempre. Vestindo jeans claros Zara, blusa amarela Loro Piana (amarelo é a cor da empresa) e sapatos Valentino, Felmanas chega pontualmente, sorrindo, cumprimentando a todos, seu filho Pedro, Taciana Veloso, Maria Claudia Chad, executiva de contas, e Marina Beginsky, sua assistente digital.

A mesa, enfeitada com pratos amarelos da Cerâmica Zanatta Casa, tem garrafas de água, água de coco, chá gelado e refrigerante. Sobre o aparador rente à parede, travessas com comida caseira temperadas pela cozinheira Josélia de Jesus - saladas com legumes diversos, arroz branco, batatas inglesas, batatas-doces, salmão e peito de frango grelhados. Felmanas se serve de folhas, legumes, batatas, salmão e chá gelado.

Apesar da nova fase, pouco mudou no seu dia a dia. Às cinco e meia da manhã ela já está em pé. “É como se eu estivesse saindo na frente enquanto todo mundo ainda está dormindo”, compara. Ela medita, faz exercícios e às 8h30 já está no escritório, com exceção das terças-feiras, quando semanalmente visita a fábrica em Pouso Alegre, Minas Gerais - faz os 211 km que separam as cidades em 45 minutos com o helicóptero da empresa, um BEL 429. No meio da tarde está de volta à sua mesa de trabalho.

Nesta terça-feira, ela havia acordado um pouco mais cedo e passado menos tempo em Minas Gerais. “Eu adoro ir até lá. Minha carreira começou no chão da fábrica com 17 anos. Comecei expedindo mercadoria, vinha a lista de pedidos, eu separava tudo. Depois fui trabalhar na pesagem de matéria-prima, na manipulação, no departamento de TI, no RH, no financeiro... Passei por todas as áreas”, lembra. “Eu chego na fábrica e sinto o cheiro do meu pai. Gosto do barulho das máquinas. A gente tem o que existe de melhor no mundo em termos de tecnologia na indústria farmacêutica.”

Ela vê com bons olhos toda a exposição que ganhou. “Eu meio que virei famosa”, diz, rindo. “Hoje entro em um shopping, em um restaurante, e vem gente que eu não conheço me pedir não um autógrafo, elas querem tirar uma foto. Às vezes me pedem para eu gravar um vídeo dizendo ‘Oi, tchurma’. Eu sempre atendo e as pessoas vão embora contentes. É muito gostoso.”

Ela acredita que todo esse barulho, esse interesse vem da sua autenticidade e transparência. “Eu não sou uma pessoa nas redes e outra fora das redes. Não é fake, não é uma personagem. É divertido. Eu mostro a minha vida como ela é, converso com os seguidores, sou eu que faço as postagens, que respondo às perguntas e acho que o público gosta dessa troca”, conjectura. “Elas me fazem até sugestões de novos produtos.”

O sucesso da família nas redes não é privilégio dela. Seu irmão João Adibe Marques, presidente da Cimed, começou bem antes, há quase dez anos, hoje mais de tem 3 milhões de seguidores no Instagram e 400 mil no TikTok. Por isso Felmanas tem sido convidada para palestras, seus clientes pedem a sua presença com mais frequência, eles também querem tirar fotos ao seu lado.

“Eu só preciso me organizar para atender todo mundo”, diz. Também se transformou em influencer. “Acho que sou uma influência no sentido de motivar positivamente as pessoas. Eu acordo bem cedo, me cuido, trabalho muito, não paro... Pelo menos é o que eu percebo nas conversas.” Haters? “Tenho pouquíssimo. Passo batido”, garante.

Boa parte dessa virada, desse buzz inesperado, tem a ver com o Carmed, ideia trazida dos Estados Unidos e lançada há oito anos com sabores como pêssego, uva e melancia, que acabou se tornando o segundo produto mais vendido da Cimed, cujo portfólio tem 600 itens entre medicamentos genéricos, vitaminas e produtos isentos de prescrição médica, além de higiene e beleza. “A nossa linha de inverno é superimportante.”

Durante a pandemia a Fini, empresa espanhola de doces, procurou a Cimed interessada na sua rede de distribuição nacional: são mais de 60 mil pontos de vendas atendidos diretamente, um total de 90% das farmácias brasileiras. Embora a Fini já vendesse nas grandes redes, ela não conseguia atingir as farmácias pequenas.

“A Fini é muito forte em collabs, tinha feito com Havaianas, com esmaltes. Minha filha Juliana perguntou se eles não estariam interessados em fazer uma collab com a gente”, conta. Eles toparam e após um ano de desenvolvimento, em maio do ano passado, o novo produto foi lançado. “Foi um sucesso inacreditável. Ele entrega de verdade, tem o aroma da bala. Tem gente que come Carmed Fini”, ela ri.

Resultado: em oito meses foram R$ 400 milhões em vendas. Para este ano a expectativa de faturamento da linha é de R$ 500 milhões. No TikTok, a hashtag do produto bateu em 1,2 bilhão de visualizações. Para aproveitar a onda, a empresa lançou em seguida o Carmed BFF (Best Friends Forever, em inglês, melhores amigas para sempre, em português), inspirado na cantora Taylor Swift e na proximidade que ela tem com as suas fãs.

Para a campanha, a Cimed contratou as BFF Larissa Manoela e Maisa. “Larissa já tinha trabalhado com a gente no lançamento do sabonete íntimo Dermafeme, e a Maisa é muito amiga do meu filho Eduardo”, lembra a executiva. A live commerce realizada no início de outubro reuniu mais de 8 mil pessoas e vendeu R$ 40 milhões em apenas 20 minutos, o equivalente a 2,7 milhões de unidades.

Agora Larissa e Maisa estão no ar mais uma vez, na campanha que comemora o aniversário do Carmed. “Nós lançamos o produto no programa do Luciano Huck e tivemos 2 milhões de acessos no site”, conta Felmanas. No mesmo programa a empresa lançou outra promoção de apenas dois dias.

Quem comprasse um Carmed na segunda e na terça-feira seguintes levava outro. “Em três dias tivemos um aumento de vendas de 1.384%. O público do Carmed é 90% de meninas. Elas compram, elas querem completar a coleção, são 12 sabores, e depois elas ainda postam nas suas redes. É impressionante. Não tem explicação.”

A Cimed também lançou uma promoção que vai durar três meses. Além de sortear 10 mil prêmios, como nécessaires, moletons, copos, pijamas em colaboração com a Miss Victoria e o livro “Oi, Tchurma”, ao final uma cliente vai criar o seu próprio Carmed. “Ela vai comigo para a fábrica, vai escolher o gosto, a cor, se tem brilho ou não, o cheiro, a embalagem, tudo”, explica. Outras colaborações e outros sabores virão. “O desenvolvimento dos produtos demora. Temos produtos sendo desenvolvidos agora que só serão lançados em 2025.”

Em paralelo a empresa lançou uma linha de beleza chamada Milimetric. Os produtos são vendidos exclusivamente para profissionais, com aplicação em consultórios e clínicas especializadas. “Pela primeira vez a Cimed está tendo contato com profissionais da saúde. São duas linhas, a Pro e a Skincare.” O motivo não poderia ser mais trivial: há uns cinco anos Felmanas e seu irmão começaram a usar ácido hialurônico e gostaram do resultado. “A nossa família sempre gostou de cuidar do corpo, sempre se preocupou com a saúde. Fazia sentido entrar nesse mercado”, diz ela.

A linha traz preenchedores injetáveis à base de ácido hialurônico e futuramente bioestimuladores de colágeno, fios de PDO e toxina botulínica, além de cinco dermocosméticos de uso diário para o público final. Todos os produtos são 100% coreanos.

“A Coreia do Sul é líder mundial, eles criaram a tecnologia butolínica. As primeiras reuniões foram online, depois fizemos quatro viagens ao país para conhecer os fornecedores, visitar as fábricas. Foram cinco anos para desenvolver os produtos.” Um investimento de R$ 50 milhões e previsão de faturamento de R$ 1 bilhão nos próximos cinco anos.

Empresa familiar, brasileira, 47 anos, a Cimed, originalmente Companhia Industrial de Medicamentos, nasceu com seu avô João Marques, propagandista médico que fundou na década de 50 o laboratório Prata.

Em 1977, a partir da compra da Honorterápica, o pai de Felmanas fundou a Cimed, que hoje é terceira maior empresa do segmento farmacêutico do país em volume de vendas e a sexta em faturamento. “A perspectiva para este ano é faturar R$ 4 bilhões e chegar a R$ 5 bilhões em 2025. Ao invés de ter uma meta anual, a gente trabalha com uma meta para os próximos dois anos”, revela a executiva.

Segundo ela, hoje o mercado farmacêutico para a linha de produtos que a Cimed produz concorre com empresas como a Medley, EMS, Neoquímica e Eurofarma, todas nacionais. “As multinacionais largaram marcas importantes no Brasil, como Neosaldina e Buscopan, e agora trabalham com produtos de valor agregado mais alto. O mercado brasileiro para elas é nada.”

Ano passado a Cimed entrou em uma nova fase. A diretoria foi às compras após um intervalo de dez anos. Comprou a R2M, fabricante de lenços umedecidos, terceira maior empresa do setor, atrás da Kimberly-Clark, dona da Huggies, e da Procter & Gamble, dona da Pampers. Pagou R$ 180 milhões.

“São duas plantas, uma em Santa Rita do Sapucaí, Minas Gerais, outra em Chapecó, Santa Catarina. A Cimed já tem um creme contra assadura, que é o mais vendido do mercado, chamado Babymed. Agora vamos trabalhar com lenços umedecidos, depois vamos lançar xampu e toda uma linha para bebês, até quatro anos”, revela. Os novos produtos devem chegar às farmácias até o fim do ano. Outras compras virão, há negociações em andamento.

Como a Cimed foi construída por seu pai e sua mãe e hoje ela dirige a empresa com seu irmão, Felmanas enfatiza a importância da diversidade de um modo geral. “Trabalhamos com essa agenda há dois anos, temos vagas afirmativas. Eu fabrico produtos para todos os brasileiros, tenho que ter representantes de todos na Cimed”, raciocina.

“Além disso, eu participo pessoalmente da contratação dos funcionários em nível de gerência. Hoje 38% são mulheres, mas eu quero ter 50%. Entre todos os 5 mil funcionários, 51% são mulheres e elas ganham o mesmo salário que os homens. No setor de vendas ainda é baixo o número de mulheres, temos mais homens”, compara.

Mas o fato de ser vice-presidente de uma empresa do tamanho da Cimed não evita que ainda hoje ela seja alvo de atitudes machistas, como acontecia quando, filha do dono, começou a trabalhar na fábrica. “Isso acontece todos os dias. Tem sempre alguém dizendo, por exemplo, que a gente sorri pouco, que mulher tem que sorrir. Os homens por acaso trabalham sorrindo?”, pergunta.

“E se alguma vez eu não quero ter alguma conversa, dizem: ‘Nossa, ela deve estar com algum problema em casa’. A pessoa pode até não dizer com todas as palavras, mas eu vejo isso na cara dela.” Enquanto se levanta e se serve de uma gelatina, ela acrescenta: “Mas eu não sou vítima. Sou megaprotagonista da minha vida. Agora, se isso acontece comigo, que tenho um cargo importante, imagina como é para as outras mulheres?”.

A gestão compartilhada com o irmão, garante, não é um problema. E os acordos sempre unânimes na diretoria contribuem para isso. “A gente gosta de trabalhar com uma gestão colegiada e decide em conjunto o que for melhor para a Cimed. Não existe a minha opinião, a opinião dele. É sempre o que é melhor para o negócio”, resume.

E assim deve ser com a quarta geração da família, que já trabalha na empresa, jovens entre 21 e 26 anos. “São três filhos meus e três filhos do João Adibe. Eles trazem inovação, é outro olhar. Intuitivamente eu e meu irmão repetimos o mesmo movimento que meu pai e minha mãe fizeram com a gente. Não existe um plano de sucessão, um plano de carreira. Mas eles trabalham aqui com dedicação e para que isso aconteça eles precisam ter autonomia e muita responsabilidade.”

Sua irmã caçula, Mariana, é a única que não trabalha com a família. Ela vive na Austrália, onde tem com o marido biólogo uma fazenda de ostras. “Estive lá no ano passado. Ela mora em uma ilha de pescadores, não tem nem supermercado. Um dos meus prazeres na vida agora é comer ostras australianas, são enormes”, brinca. “Digo que Mariana é minha consciência ecológica. Sempre foi. Lembro do meu pai jogando bituca pela janela do carro. Naquela época ela já queria morrer com aquilo.”

O trabalho naturalmente ocupa a maior parte do seu dia. E também a família. Ano passado ela celebrou Bodas de Prata com uma grande festa. Embora se divida entre as religiões católica e judaica, o casal recebeu as bençãos do padre Fábio de Mello, que ainda cantou “Como É Grande o Meu Amor por Você”. Os convidados se divertiram com um show particular de Ivete Sangalo. Neste ano sua filha se casa, elas estão no meio dos preparativos.

Acaba que não sobra tempo para muito mais. Nenhum hobby em especial. Talvez a moda, que ela acompanha de perto, gosta de Valentino, Gucci, Louis Vuitton, entre as grifes internacionais, além de Animale e Alexandre Birman. Lá atrás, ao lado da amiga Veloso, até começou um curso na Anhembi Morumbi. Elas chegaram a produzir algumas camisetas para vender, mas a sociedade não prosperou. Nem o curso.

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