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É correto liberar o teleatendimento médico em farmácias?

16 de maio de 2022
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo

SIM - Juntos, telemedicina e farmacêutico clínico podem ampliar o acesso à saúde.

Sérgio Mena Barreto - Presidente-executivo da Abrafarma (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias).

Todos os anos, mais de 400 mil pessoas morrem de agravos relacionados às doenças cardiovasculares no Brasil. É como se a população inteira de Piracicaba (SP) desaparecesse a cada 12 meses.

O mais chocante é que esses óbitos são classificados em estudos como "mortes evitáveis", pois boa parte dos AVCs, ataques cardíacos ou infartos agudos do miocárdio, que levam tantos brasileiros a óbito, não existiriam se ao menos duas doenças de base fossem controladas —o diabetes e a hipertensão.

Medicamentos para diabetes e hipertensão não têm custo de tratamento elevado, já contam com os genéricos como boas opções e estão cobertos pelo programa Farmácia Popular.

Ou seja, todo brasileiro com uma prescrição pode retirar, sem nenhum custo, num estabelecimento credenciado, os medicamentos que podem lhes salvar a vida. E por que não o fazem? A resposta a tal pergunta não é óbvia, mas dois fatores podem explicar a origem do problema: 1) a falta de acesso ao médico; e 2) uma baixa educação em saúde.

Por causa deles, prováveis 54% dos portadores de doenças crônicas no Brasil abandonam o tratamento após seis meses, incorrendo nos agravos que vão lhes tirar a vida ou deixá-los incapacitados ainda jovens.

O abandono ao tratamento é algo tão grave que um representante da Organização Mundial da Saúde, em evento realizado pela Abrafarma, definiu-o como um dos fatores fundamentais a se investir nas próximas décadas e afirmou que nenhuma iniciativa ou dispositivo científico seria mais importante para a saúde do que convencer os usuários a manter seus tratamentos ao longo dos anos.

A verdade é que são poucos os esforços para se compreender e atuar nos fatores que levam à baixa adesão dos pacientes aos medicamentos. Enquanto o diagnóstico e tratamento das doenças foram o foco dos governos nas últimas décadas, a jornada do paciente permaneceu acidentada. É como se ele fosse abandonado à própria sorte no emaranhado e complexo sistema de saúde, seja privado ou público.

A boa notícia é que tanto o acesso ao médico quanto à educação em saúde ganhou um reforço e tanto nos últimos anos. No primeiro caso, temos o avanço da telemedicina, que coloca o atendimento ao usuário ao alcance da mão.

Somente no Brasil são mais de 100 milhões de pessoas com acesso à internet e mais de 160 milhões de smartphones; e essa tecnologia, se bem utilizada, quebra todas as barreiras para aproximar o paciente do profissional médico.

No segundo caso, o de educar e apoiar pacientes, a boa notícia vem das farmácias. Usuários de Canadá, China, EUA, Inglaterra e também do Brasil passaram a utilizar melhor um profissional bem qualificado e acessível em milhares de estabelecimentos —o farmacêutico— para acompanhar e entender como manejar melhor sua doença crônica.

Agora, imagine um paciente numa farmácia, com dúvida sobre sua doença, ser assistido por um profissional médico com apoio do farmacêutico?

E por que não utilizarmos desse expediente nas quase mil cidades brasileiras que ainda não contam com médico todos os dias, possibilitando acesso ao prescritor com apoio de seu farmacêutico habitual?

É muito fácil vedar boas ideias sentado num confortável gabinete em Brasília, longe da realidade do usuário final, que vive a jornada acidentada e difícil da falta de acesso.

Como dizia Einstein, não encontraremos soluções para velhos problemas utilizando ideias arcaicas. Temos que lançar mão de todas as iniciativas disponíveis para pôr fim ao mal de pessoas que morrem todos os dias por falta de apoio.

Eis por que acredito que esses dois elementos, telemedicina e farmacêutico clínico, constituem juntos uma poderosa combinação capaz de gerar acesso e aumentar a adesão do paciente, encerrando o sofrimento de milhares de famílias com as mortes evitáveis de seus entes queridos.

Irene Abramovich - Médica e presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).

NÃO - Há claro conflito de interesses em realizar consultas em ambiente comercial.

É preciso cuidado com as modalidades de teleatendimento quando realizadas em farmácias e/ou drogarias, especialmente quanto à ética e à legalidade, entre outros motivos, pois aqueles que estão necessitando de ajuda em relação à sua saúde merecem respeito, prudência e, minimamente, um local seguro e confidencial, no qual possam explanar suas queixas.

Os pacientes creem, principalmente, que quem presta o cuidado tem conhecimento para tal. Essa é a promessa que o médico faz, desde a sua formação. Como seria possível salvaguardar a relação hipocrática médico-paciente, alicerçada em confiança mútua, em situação na qual o atendido nem sequer sabe direito quem está consultando, de onde está conduzindo seu tratamento?

Quanto mais se reflete sobre o assunto, mais dúvidas deontológicas, éticas e até práticas surgem no cenário. Por exemplo, o médico pode estar em qualquer local do país. Caso solicite exames complementares, o paciente vai realizá-los onde? Quem interpreta os resultados? O colega de plantão na teleconsulta?

Como será o vínculo do médico com o paciente e de onde o profissional receberá seus honorários? Vale lembrar que a legislação, como um decreto de 1932 e o Código de Ética Médica, vedam interação ou dependência de farmácia e mesmo exercer simultaneamente medicina e farmácia. E continuam os questionamentos.

Como seria a seleção de médicos a atuarem nesses estabelecimentos? De que forma garantir que seja um médico, preferencialmente um especialista?

Suponhamos que, sim, aquele que recebe a chamada online seja de fato um médico. De que forma o paciente terá garantida a prerrogativa ética e legal de contar com um prontuário preenchido em cada avaliação, com os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, assunto que conta com amplo leque de regras, normas e legislação específica?

No teleatendimento em farmácias, como ocorreria a guarda do prontuário, documento considerado um dos pilares para um atendimento ético? O médico teria que levá-lo para casa ou guardá-lo no computador local? Na "nuvem"? Deixar sob a custódia de funcionários do estabelecimento, não familiarizados com o dever do sigilo?

Na verdade, entre os problemas mais graves embutidos no contexto de atendimento médico em ambientes comerciais é o fato de facilitar conflito de interesses, no qual o julgamento de um profissional tende a ser indevidamente influenciado por interesse secundário. Os tipos de vínculos que os médicos teriam, por exemplo, com as farmácias e os planos de saúde, levariam a um conflito generalizado de interesses, um triplo conflito entre esses atores.

Por fim, sabe-se que a telemedicina ganhou espaço em decorrência da tragédia trazida pela Covid-19. Mantém-se no Código de Ética Médica, porém, a proibição ao médico de prescrever sem exame direto do paciente, salvo em urgência e emergência, assim como consultar e diagnosticar por meios de comunicação de massa, até mesmo em atendimento à Lei do Ato Médico.

Atendimentos a distância, como no caso das farmácias e/ou drogarias, quando se relacionam à telemedicina passam pelo crivo do Conselho Federal de Medicina (CFM). Nada que se alie a esta nova "modalidade" de atendimento em farmácia, que soa mais como "uberização" da medicina, na qual quem estiver livre e mais perto do computador será responsável pela vida daquele do outro lado da tela.

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