Envelhecimento do Brasil vai pesar mais no mercado de trabalho que Bolsa Família, aponta pesquisa
08 de dezembro de 2025Envelhecimento da população deve ser maior fator de pressão sobre mercado de trabalho
Por Isadora Camargo — De São Paulo
A escassez de mão de obra no Brasil aumenta à medida que o país passa por uma transição demográfica - o contingente de jovens em idade ativa começa a encolher, enquanto a população idosa cresce em ritmo acelerado. Se o movimento continuar, a pressão sobre a oferta de trabalho será resultado do quadro demográfico, e não do Bolsa Família, segundo levantamento do pesquisador Daniel Duque.
Especialistas arrematam que o envelhecimento é gradual, ao mesmo tempo que tira trabalhadores do mercado formal também indica uma mudança social de pessoas com maior idade ativa trabalhando ou gerando postos de trabalho em áreas ligadas à longevidade.
Até agora, a mudança etária afeta mais os setores da indústria e comércio, ambos carentes de novos funcionários. Nos próximos dez anos, a população com 65 anos ou mais deve quase dobrar, enquanto a faixa de 25 a 29 anos tende a cair de forma gradual, aponta Duque a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE.
O estudo, antecipado ao Valor, mostra que a mudança na demografia está criando uma escassez estrutural de trabalhadores jovens - algo mais profundo e duradouro do que as flutuações associadas a programas sociais.
Por meio de simulações, o estudo estima o que teria ocorrido se o padrão de emprego por idade e sexo de 2012 tivesse se mantido até hoje, isolando o efeito puramente demográfico sobre a taxa de ocupação. O resultado aponta que a formação populacional ao longo do tempo é o principal fator por trás da atual escassez de mão de obra.
“Nada disso implica que o Bolsa Família seja irrelevante para decisões de oferta de trabalho em margens muito específicas. Mas esses efeitos são locais e transitórios, enquanto a demografia é nacional e duradoura”, afirma Duque.
No diagnóstico que cobre o período de 2012 a 2025, o pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) destaca que o exercício não responsabiliza efeitos do Bolsa Família ou de políticas específicas - o que enfraquece a tese de que o programa seja responsável pela falta de trabalhadores.
“O fator demográfico é um dos principais responsáveis pela redução da oferta de mão de obra no Brasil. É um problema estrutural, enquanto o Bolsa Família é um problema episódico”, diz.
Em estudos anteriores, Duque atribuía ao benefício à escassez de trabalhadores. “Não mudei minha opinião de que o Bolsa Família reduziu a participação de trabalhadores no mercado, mas entendo que não é o grande culpado, como se costuma dizer. O ponto central é que a demografia está afetando a economia de forma contínua”, alerta.
Sozinho, não é o Bolsa Família que tira trabalhadores dos postos formais, mas o programa precisa de revisão, defende o professor da USP e da Insper Naércio Menezes.
O aumento recente do valor do programa tem levado parte dos beneficiários a migrar para a informalidade para não perder o auxílio. “É preciso ajustar o programa para que as pessoas possam trabalhar formalmente sem perder o benefício”, defende.
Menezes alerta ainda para a fragilidade do financiamento da Previdência. A ampliação do trabalho via MEI e PJ, usada por empresas para reduzir encargos, pode comprometer o sistema no longo prazo. “Falta dinheiro para financiar a Previdência, e isso será um problema em breve”, diz.
Duque complementa que a população em idade de trabalhar se torna um desafio crescente, diante da estagnação das taxas de natalidade. “A demografia está construindo uma escassez estrutural de trabalhadores, sobretudo jovens, e isso atinge alguns setores com muito mais força do que qualquer variação episódica de programas de transferência de renda.”
A técnica de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Maria Andreia Lameiras, também atribui o fenômeno demográfico à redução da entrada de jovens no mercado e à permanência cada vez maior de pessoas mais velhas em atividade, vetores que ela classifica como estruturais da sociedade brasileira.
Somado a eles, elementos de conjuntura como a reforma da Previdência e mudanças no padrão de renda das famílias têm levado trabalhadores mais velhos a postergar a saída do mercado. “A necessidade de contribuir por mais tempo para garantir aposentadorias integrais, somada ao aumento do número de domicílios sustentados por pessoas idosas, tem ampliado a presença desse grupo na força de trabalho”, explica Lameiras.
Ela prevê para os próximos anos, a consolidação de uma economia prateada, isto é, mais dependente da força ativa mais velha. “Se a força de trabalho tende a se estabilizar ou até diminuir, será preciso compensar esse efeito por meio de maior qualificação e eficiência individual”, diz.
A tendência é que os trabalhadores mais jovens, ainda que em menor número, apresentem níveis de escolaridade mais altos, enquanto os mais velhos - que permanecem no mercado por necessidade ou opção - tragam experiência, mas enfrentem limitações em habilidades tecnológicas. “Empresas que investirem na atualização desse público poderão capturar ganhos expressivos de produtividade”, aponta.
O impacto, porém, varia regionalmente, segundo a pesquisa de Duque. A indústria, concentrada no Sul e Sudeste, sente mais os efeitos do envelhecimento populacional. Já o comércio, tradicional porta de entrada para adolescentes e jovens adultos, perde justamente o público que abastecia seu mercado de trabalho.
Em setores como agropecuária e administração pública, o componente demográfico aparece próximo de zero ou levemente positivo no agregado, reflexo de composições etárias diferentes - com mais adultos e idosos em ocupações rurais - e de uma transição demográfica mais lenta em algumas regiões. Serviços domésticos e outros serviços mostram impactos pequenos, coerentes com a maior diversidade etária e a dispersão territorial da mão de obra.
Já em informação, comunicação e atividades financeiras e imobiliárias, o efeito é negativo, mas menos intenso. Esses setores, que demandam trabalhadores jovens e qualificados, sofrem com a redução desse grupo, mas conseguem amortecer o impacto por meio de ganhos de produtividade e investimentos em educação.
Diante desse quadro, Lameiras e Duque defendem que políticas de longo prazo voltadas à formação de jovens, requalificação de adultos, automação e arranjos de trabalho mais flexíveis são essenciais para mitigar os gargalos de contratação provocados pela transição demográfica. “Sem planejamento de longo prazo, a produtividade laboral entra em xeque”, alerta Duque.
Para ele, só a produtividade permitirá evitar uma estagnação permanente do desenvolvimento econômico, que tende a ficar mais difícil e afetar estruturas como Previdência e gastos com saúde - que aumentam a partir dos 30 anos e já representam um custo significativo para o SUS.
“A transição demográfica está acontecendo. E, sem um salto de produtividade e de qualificação dos jovens, será difícil sustentar essa nova estrutura etária”, enfatiza Menezes. “Não aproveitamos o bônus demográfico para resolver o problema educacional e aumentar a produtividade. Agora, se não fizermos algo nessa direção, teremos dificuldades para sustentar uma população mais velha com uma base de jovens cada vez menor”, afirma.
O acadêmico prevê um cenário desafiador para a oferta de mão de obra e os gastos públicos nos próximos anos. As indústrias, com exceção do agro, estão atrasadas pelo menos 30 anos em investimentos de tecnologia capazes de manter o número de ocupações, mas produzindo mais, explica Menezes. Ele lembra que muitos países crescem impulsionados por ganhos de eficiência, e não apenas pela criação de vagas, ao contrário do ciclo que se estabeleceu no Brasil - de mais estímulos como aumento de salário e de transferência de renda.
Ao mesmo tempo, os números recordes de ocupação e as taxas mínimas de desemprego no Brasil parecem nublar o problema da escassez de mão de obra. O país tem 102,4 milhões de pessoas ocupadas, segundo os dados de setembro da Pnad Contínua - o maior patamar da série histórica. Apesar do recorde, a oferta de trabalhadores começa a encolher: a base de jovens em idade ativa (14 a 24 anos) representa pouco mais de 18% da população economicamente ativa, enquanto o grupo de 40 a 59 anos já concentra cerca de um terço da força de trabalho, segundo o IBGE.
Duque ressalta que as estatísticas ainda não refletem plenamente a transição do bônus demográfico para o envelhecimento populacional. “O ponto é que ainda há geração de empregos, apesar da demografia. Mas o fato de existirem vagas ociosas é justamente o reflexo do hiato demográfico”, explica. Ele adverte, porém, que o envelhecimento populacional tende a gerar um período de estagnação que, se não for planejado agora, pode se tornar permanente.
Para Lameiras, o país precisará se adaptar à nova estrutura etária, tanto em termos de políticas públicas quanto de organização produtiva. “Daqui a 20 anos, teremos uma pirâmide populacional invertida. A questão central não é apenas a oferta de mão de obra, mas o fato de que muitas famílias já dependem financeiramente dos mais velhos. Manter esse grupo em atividade, com renda e condições dignas, será um dos grandes desafios da economia brasileira”, assinala.
No horizonte de médio prazo, o envelhecimento da população deve interferir no tipo de ocupação e demanda por serviços voltados à longevidade, com mais vagas nas áreas de saúde, como cuidadores e fisioterapeutas, “mas também de políticas que permitam que o idoso se mantenha economicamente ativo por mais tempo”, pondera Lameiras.
Duque complementa que, com menos crianças nas escolas, abre-se uma janela de investimentos governamentais para qualificá-las como profissionais. “Precisamos pensar em formas eficazes de aumentar o nível de aprendizado para formar trabalhadores mais produtivos”, recomenda o economista.
Para Menezes, isso passa por ampliar programas de visita domiciliar na primeira infância, fortalecer iniciativas como o Criança Feliz, melhorar a qualidade das creches e pré-escolas e estabelecer metas nacionais de alfabetização. “Hoje, só 50% das crianças aprendem a ler até o segundo ano. A outra metade já entra em trajetória de desempenho pior. Estamos muito atrasados, e cada município segue uma política diferente, o que prejudica o país inteiro”, salienta.
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