Farmacêuticas nacionais se armam para a bilionária corrida pelo Ozempic genérico
21 de fevereiro de 2025Patente do remédio, que movimenta cerca de R$ 3 bilhões ao ano, vence em março de 2026.
Por Ana Luiza de Carvalho — De São Paulo
As principais indústrias farmacêuticas nacionais estão se preparando para entrar no mercado da semaglutida, princípio ativo do Ozempic, a “canetinha azul” da dinamarquesa Novo Nordisk, cuja patente está prevista para vencer em março de 2026. O medicamento, considerado um dos principais “blockbusters” globais do setor, movimenta no país cerca de R$ 3 bilhões por ano em vendas.
A EMS, do empresário Carlos Sanchez, já solicitou à agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) autorização para vender semaglutida no mercado americano, enquanto no Brasil a companhia investiu mais de R$ 1 bilhão na liraglutida e saiu na dianteira da disputa nacional dos medicamentos para diabetes e emagrecimento.
Em dezembro passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a EMS a produzir o composto irmão do Ozempic, e a expectativa é que o medicamento esteja nas farmácias no segundo semestre deste ano.
Companhias como Eurofarma e Hypera afirmaram ao Valor que também têm interesse em entrar no mercado dos chamados análogos do GLP-1, que girou mais de R$ 3 bilhões no Brasil entre setembro de 2023 e setembro de 2024, de acordo com dados da consultoria IQVIA.
Essa cifra considera o volume de vendas das farmacêuticas Novo Nordisk e Eli Lilly, que dominavam o mercado de análogos do GLP-1 devido às patentes, com marcas como Wegovy, Rybelsus, Mounjaro, Trulicity, Saxenda e Victoza - além, claro, do Ozempic.
O GLP-1 é um hormônio produzido pelo intestino, após as refeições, que aumenta a secreção de insulina. A categoria de análogos do GLP-1, que inclui princípios ativos como semaglutida, liraglutida, tirzepatida e dulaglutida, libera substâncias que imitam o GLP-1 e retardam o esvaziamento do estômago, além de darem maior sensação de saciedade.
Esses remédios foram estudados, inicialmente, para o controle de diabetes. O efeito colateral de perda de peso, porém, levou a uma explosão de demanda que chegou a esgotar os medicamentos nas farmácias em várias ocasiões. As pesquisas, agora, indicam que os análogos do GLP-1 também podem prevenir desdobramentos da obesidade como doenças cardiovasculares e renais.
A Novo Nordisk pede na Justiça que a exclusividade de produção da semaglutida seja prorrogada para além de março de 2026, prazo definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com a companhia, embora o pedido de patente tenha sido apresentado ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em 2006, a semaglutida só foi registrada no Brasil em 2019.
De acordo com a Novo Nordisk, a inovação em saúde é “de alto risco e uma das mais intensivas em uso de capital”, com custo médio de US$ 2,6 bilhões para desenvolvimento de uma nova molécula, e um pequeno número de pesquisas de fato se converte em novos medicamentos. “É a proteção de patentes que permite a geração de novos medicamentos, que por sua vez são a base para a produção posterior de biossimilares e genéricos”, afirmou a Novo Nordisk, em nota enviada ao Valor.
Enquanto o imbróglio se desenrola na Justiça brasileira, a indústria farmacêutica nacional já iniciou os trâmites regulatórios para entrar na disputa da categoria bilionária. O diretor médico da EMS, Iran Gonçalves Junior, afirma que o pioneirismo na produção nacional em liraglutida também deve posicionar a EMS em destaque no cenário competitivo da semaglutida a partir do próximo ano. “Com a liraglutida, foi a primeira vez que a Anvisa teve que analisar esse tipo de tecnologia, que é bastante sofisticada. A síntese da semaglutida vai ser a mesma coisa, só muda a molécula que é utilizada para isso”, afirma.
Os investimentos da EMS para o lançamento das marcas Olire e Lirux somam cerca de R$ 700 milhões em pesquisa e desenvolvimento, R$ 70 milhões para a construção de uma fábrica no Brasil e cerca de R$ 50 milhões anuais para a manutenção da unidade, mesmo antes do início da produção. Além da fábrica recém-inaugurada no Brasil, a EMS tem uma unidade na Sérvia que é vista como estratégica para alcançar o mercado europeu.
O executivo afirma que a EMS já apresentou à agência regulatória de medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) um pedido para comercializar semaglutida no país. “Há uma questão comercial no mercado americano, de que o primeiro a cumprir os requisitos ganha seis meses de exclusividade. Nossa fábrica do Brasil é a primeira do Hemisfério Sul a ser certificada pelo FDA, é um ganho de tecnologia não só para a EMS mas para a indústria nacional”, afirma ao Valor.
Já a Eurofarma, que também está no aguardo da queda de patente, atua hoje no mercado de diabetes com a evogliptina. Apesar do nome similar, o medicamento não é da mesma categoria da semaglutida e pertence à classe chamada inibidores de DPP4. Uma das diferenças, de acordo com a companhia, é que a evogliptina não apresenta a perda de peso como efeito colateral - o que fez explodir a popularidade do Ozempic.
“A evogliptina também interfere no mecanismo de GLP, mas de outra maneira. Essa enzima quebra o GLP1 natural que o organismo libera quando comemos, controlando a glicemia, enquanto a semaglutida e a liraglutida trabalham com um composto similar ao GLP-1”, explica o diretor de assuntos médicos e regulatórios da Eurofarma, Luis Henrique Boechat.
A evogliptina, produzida com exclusividade pela Eurofarma, está no portfólio da companhia sob a marca Suganon desde 2022. Boechat afirma que a semaglutida está no radar da companhia, e destaca que os análogos de GLP-1 têm sido estudados como tratamento em várias especialidades. “Não tem como a Eurofarma não olhar para toda essa categoria, não apenas a semaglutida. Do ponto de vista de estratégia de portfólio, faz sentido ter opções em várias classes terapêuticas de diabetes”, afirma.
Em relatório divulgado em 12 de fevereiro, os analistas da XP afirmam que a queda da patente da semaglutida deve ser positiva para as farmacêuticas brasileiras, abrindo espaço no mercado para a entrada de fabricantes nacionais como a Hypera.
Ao Valor, a companhia afirma que “está se preparando para incluir a molécula no portfólio com a expiração da patente”. Embora a Hypera não detalhe informações sobre capacidade fabril e investimentos para a produção da semaglutida, a companhia afirma que lançou “com agilidade” outros medicamentos após o fim de patentes, como os anticoagulantes rivaroxabana e apixabana. “É parte de nossa estratégia buscar o pioneirismo no lançamento de cópias no Brasil, ampliando a acesso da população à saúde”, afirma.
Você é jornalista? Participe da nossa Sala de Imprensa.
Cadastre-se e receba em primeira mão: informações e conteúdos exclusivos, pesquisas sobre a saúde no Brasil, a atuação das farmácias e as principais novidades do setor, além de dados e imagens para auxiliar na produção de notícias.
Vamos manter os seus dados só enquanto assim o pretender. Ficarão sempre em segurança e a qualquer momento, pode deixar de receber as nossas mensagens ou editar os seus dados.