Núcleos sinalizam queda mais lenta do IPCA
14 de julho de 2023Economistas alertam para desaceleração lenta de métricas mais ajustadas à ociosidade da economia
Por Anaïs Fernandes — De São Paulo
Apesar da melhora no índice cheio de inflação do Brasil e na média dos núcleos - medidas para suavizar volatilidades e que são acompanhadas de perto pelo Banco Central -, economistas ponderam que uma métrica específica, que guarda maior ligação com a ociosidade da economia e, portanto, com a política monetária, tem desacelerado bem mais devagar.
É o IPCA-EX3, que compreende, segundo o Barclays, cerca de 37% da cesta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial de inflação do país. O IPCA-EX3 agrega itens selecionados de serviços e bens industriais, sem incluir alimentos, por exemplo.
De acordo com o Barclays, em junho, o EX3 desacelerou pouco, para 0,42%, de 0,44% em maio. No acumulado em 12 meses, foi de 8% para 7,4%, ainda bem acima da média dos cinco principais núcleos, observa o banco.
Essa média desacelerou para pouco menos de 6% em 12 meses até junho, de 6,7% em maio e após um pico de 10,5% em junho do ano passado. O IPCA, por sua vez, foi de 3,9% para 3,2%, passando a ficar, temporariamente, dentro da meta de inflação de 2023, de 3,25%.
“É fato que o cenário para os núcleos está melhorando, mas não tão rápido quanto o IPCA cheio”, diz Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do Barclays.
Mesmo essa desaceleração dos núcleos é vista por ele, em parte, como temporária, já que, segundo o Secemski, três das cinco principais medidas foram influenciadas pelo programa do governo federal de desconto a veículos novos. O IPCA-EX0, que exclui alimentação no domicílio e preços administrados, mas contém os carros novos, por exemplo, estava em 5,3% em 12 meses até junho.
Se esses preços tivessem se mantido inalterados no mês, Secemski estima que a variação mensal da média dos núcleos de 0,20% teria sido, na verdade, de 0,29%.
Considerando essa influência baixista pontual, a média móvel de três meses anualizada e dessazonalizada dos núcleos desacelerou de 5,6% em maio para 4,8% em junho, o menor valor desde outubro de 2020, mas ainda muito acima dos níveis consistentes com a meta de inflação, observa Secemski. A média móvel trimestral é uma forma de suavizar movimentos mensais, mas ainda captar a tendência “na ponta” de modo mais dinâmico do que a variação em 12 meses.
Para serviços, a história é um pouco mais difícil de contar”
— Daniel Karp
O IPCA-EX3 ganha importância adicional porque o Banco Central destacou no comunicado da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que “os passos futuros da política monetária dependerão da evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica”. “Acreditamos se referir à medida de núcleo IPCA-EX3, com base na descrição do próprio BC em relatórios de inflação anteriores”, diz Secemski.
A melhora do EX3, “ficou atrás dos outros núcleos, reforçando questões sobre o estado geral do hiato do produto [medida para a ociosidade da economia] e do mercado de trabalho e, consequentemente, o espaço para afrouxamento monetário”, afirma o economista. “Acho que isso ajuda a explicar a cautela de alguns membros do Copom em relação ao momento para se iniciar o ciclo de cortes da Selic.” Segundo Daniel Karp, economista do Santander, há uma dicotomia entre os dois subcomponentes do EX-3.
A maior preocupação dos economistas é em relação ao núcleo de serviços, que exclui itens como passagem aérea, mas acelerou a alta para 0,67% em junho, de 0,38% em maio, o aumento mensal mais rápido em dez meses, observa Secemski. A taxa acumulada em 12 meses continuou perdendo fôlego, passando de 7,1% para 6,7%.
Já o núcleo de bens industriais - que não inclui, por exemplo, os veículos novos - foi de 0,52% em maio para 0,11% em junho, segundo o Barclays. Em 12 meses, registrou a sétima desaceleração seguida, de 9,2% para 8,2%, um nível ainda alto, pondera Secemski.
“O que está acontecendo com os industriais é mais fácil de explicar. Tudo o que contribuiu para puxar para cima os preços nos últimos meses ou acabou ou virou de ponta cabeça”, diz Karp, citando a demanda atual maior por serviços do que por bens, a normalização das cadeias de produção, um juro agora contracionista, preços de commodities mais estáveis e o câmbio se apreciando.
“Para serviços, a história é um pouco mais difícil de contar”, afirma Karp. Ele observa que, em comparação a outros ciclos em que os juros ficaram parados em nível elevado por tempo equivalente ao atual, a queda na inflação de serviços até que está “bem razoável”. “Mas a taxa de desemprego está ao contrário: mais baixa e mostrando um mercado mais aquecido”, diz.
O Santander espera que a inflação do núcleo de serviços, que está em 6,7% no ano contra ano, encerre 2023 em 5,9%, enquanto o núcleo de industriais deve desacelerar de 8,2% para 3%. “Vai ajudar a puxar o EX3 para baixo até o fim do ano”, diz Karp, projetando que o IPCA-EX3 termine 2023 em 4,6%.
Ainda que espere que o EX3 desacelere para 5% até o fim do ano, “isso é inconsistente com a meta de inflação”, reforça Secemski, do Barclays. Por isso, ele aposta em um primeiro corte de 0,25 ponto percentual da Selic em agosto e diz que, mesmo que o ritmo acelere para 0,50 ponto, “ver 0,75 neste ano é difícil”.
No último ciclo de cortes da Selic, iniciado em 2016, o BC começou com reduções de 0,25 ponto, acelerou para 0,75 e chegou a cortes de 1 ponto percentual. “A meu ver, não existe o conforto para cortar a Selic rápido como existia em 2016”, afirma Secemski.
Pelos dados do próprio BC, diz, o hiato do produto às vésperas do corte naquela época era três vezes o estimado agora. Além disso, a meta de inflação era superior em 2016, de 4,5%, lembra Secemski. “E o crucial é que as expectativas de inflação para o médio-longo prazo não estão ancoradas como ficaram por quatro meses em 2016 antes do primeiro corte”, afirma.
Além do EX3 oficial, os economistas Ana Beatriz Moreira dos Santos e Marcelo Gazzano, do Bradesco, elaboraram um núcleo próprio - a partir de itens do IPCA como hospedagem, cimento e depilação - ainda mais sensível à ociosidade da economia, chamado por eles de “Núcleo Hiato FP”.
“Essa parcela mais aderente ao ciclo apresenta uma desaceleração mais gradual em relação a outras métricas, especialmente por causa dos preços de serviços. Dessa forma, uma parte da persistência da inflação subjacente é explicada pelo produto e emprego, que seguiram acima do potencial da economia”, escrevem Santos e Gazzano em relatório.
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