Pressão inflacionária impacta ‘mercado da dor’
11 de junho de 2025Venda de analgésico atingiu R$ 940 milhões no ano até abril, queda de 9% sobre 2024.
Por Ana Luiza de Carvalho e Ma Leri — De São Paulo
A categoria de analgésicos no Brasil movimentou R$ 940,5 milhões em vendas entre janeiro e abril, queda de 9% em relação ao mesmo período de 2024, de acordo com dados da consultoria IQVIA obtidos pelo Valor. O indicador considera o preço que as farmácias pagam aos distribuidores (PPP). Em volume, houve recuo de 13,6%, para 77,9 milhões de unidades. Os números indicam tendências mais difíceis para um dos segmentos mais fortes das farmacêuticas.
A principal razão para isso, de acordo com empresas do setor, é a pressão inflacionária na renda da população e a consequente “pechincha” pelos medicamentos, a maioria formulada a partir de compostos que já perderam a patente há décadas e têm diversos fabricantes no setor.
Apesar do recuo, as vendas de medicamentos isentos de prescrição devem crescer 8% anualmente até 2027, segundo estimativas da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para o Autocuidado em Saúde (Acessa). Nos 12 meses acumulados até abril, a queda no faturamento foi de 1,33%, para R$ 3,02 bilhões, enquanto o número de unidades caiu 5,9%, para 248,7 milhões.
A presidente executiva da Acessa, Cibele Zanotta, aponta que a pandemia deixou como legado uma cultura de autocuidado, em que a população se torna mais atenta à gestão da própria saúde. “Há uma demanda crescente por analgésicos na categoria de medicamentos isentos de prescrição. Nos últimos 12 meses, o segmento apresentou expansão de 7,6% em valor e mais de 4% em unidades no mercado brasileiro, confirmando que esses medicamentos continuam sendo uma solução relevante e confiável no autocuidado da população”, afirma ao Valor.
O mercado bilionário da dor ainda é visto como estratégico para as farmacêuticas, embora as multinacionais estejam acelerando os aportes em pesquisa e desenvolvimento de medicamentos inovadores, em categorias como câncer, neurologia e doenças raras.
Gigantes como GSK, Sanofi e Johnson & Johnson optaram por cindir as operações de higiene pessoal e medicamentos isentos de prescrição (OTC, na sigla em inglês). A francesa Sanofi criou a Opella; Johnson &Johnson lançou a Kenvue; e, a GSK, a Haleon.
A Haleon, cujo portfólio também inclui ativos adquiridos da Pfizer, quer ser referência no tratamento de dor no Brasil. O diretor médico da farma no Brasil, Andrés Zapata, diz que o país é o terceiro maior mercado global da companhia. A realidade socioeconômica local, de acordo com o executivo, reflete a alta demanda por analgésicos. “O nosso país é marcado por pessoas que precisam trabalhar para receber sua diária, que não podem ser paradas pela dor”, afirma ao Valor.
A disponibilidade de renda foi um dos fatores considerados pela companhia ao lançar a nova versão de seu analgésico Sonridor Rapid. “O valor de desembolso é muito importante para o paciente, então a estratégia competitiva por trás desse lançamento é estar alinhado a genéricos e outras marcas que detém a liderança com preços mais baixos.”
Outra estratégia para avançar em um mercado já maduro foi apostar em inovação incremental, ao desenvolver um produto com absorção cinco vezes mais rápida que demais comprimidos de paracetamol. “A velocidade de ação é apontada pelos consumidores e pelos profissionais de saúde como primeira questão mais importante”, afirma o executivo.
Já a indústria brasileira encontrou um caminho de crescimento na demanda robusta e ainda crescente de analgésicos e anti-inflamatórios - especialmente na categoria de genéricos.
Um levantamento da consultoria IQVIA, divulgado pela Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (PróGenéricos), aponta que dois dos dez medicamentos genéricos mais vendidos no Brasil em 2024 são direcionados ao tratamento de dores.
A dipirona foi o segundo medicamento em volume, com cerca de 104,9 milhões de unidades. O ranking é encabeçado pela losartana, usada no tratamento da hipertensão arterial, com 167,3 milhões de caixas vendidas em 2024. A quarta molécula mais popular em 2024 foi a anti-inflamatória nimesulida, com 71,9 milhões de caixas.
O diretor de medicamentos da Cimed, Fausto Lourenção, confirma que o tíquete médio das farmácias está caindo por causa do consumidor cada vez mais sensível ao custo. A Cimed enxerga seu portfólio, majoritariamente de genéricos, como uma vantagem competitiva diante da concorrência.
A companhia aponta que a categoria tem ganhado participação no canal digital, marcado por compras rápidas e de conveniência. Apesar disso, o varejo físico segue como canal prioritário, e a companhia vem apostando em diferentes formatos de pontos de venda, com ações promocionais e visibilidade de marca.
A fidelidade dos consumidores a uma marca, porém, limita a busca pelos melhores preços. Lourenção diz que as decisões de compra, normalmente orientadas por indicações familiares e de farmacêuticos, acabam sendo permanentes caso o paciente tenha obtido bons resultados com o medicamento. Os dados da Haleon Pain Index confirmam essa percepção: a família e os amigos são ouvidos por 32% dos consumidores durante a decisão de compra, mesmo percentual de consultas aos farmacêuticos e atendentes das drogarias.
Já a recomendação dos médicos segue como principal fator para a compra de analgésicos no Brasil, apontado por 64% dos entrevistados na pesquisa. Essa confiança acaba tornando o consumo de analgésicos altamente relacionado aos consultórios médicos, ainda que os produtos sejam isentos de prescrição, segundo a Cimed.
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