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"Temos um regime de irresponsabilidade compartilhada", diz economista sobre bate-cabeça orçamentário

16 de junho de 2025
Fonte: Jornal Zero Hora – RS

Fabio Giambiagi avalia que, no futuro próximo, será preciso mudar o arcabouço em parte ou no todo

Marta Sfredo

Pesquisador associado da Fundação Getulio Vargas (FGV), Fabio Giambiagi é formado em Economia pela FEA/UFRJ, com mestrado no Instituto de Economia Industrial da UFRJ. Integrou a gestão do do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em Washington durante dois anos e assessor do Ministério do Planejamento na gestão de José Serra. É especializado em contas públicas, assunto da maioria de seus cerca de 40 livros.

Por que estamos assistindo a tanto bate-cabeça no governo, entre governo e Congresso e com setores da economia sobre cortes e aumentos de tributos?

É 2027 colocando um pé em 2025. Há muito tempo que se sabe que temos um encontro com a verdade orçamentária em 2027. O arcabouço atual não resiste em pé no próximo governo, seja quem for o vencedor das eleições. O debate inevitável de 2027 foi parcialmente antecipado para 2025. A solução que vier a ser encontrada não passará de gambiarra. A definitiva terá de vir em 2027.

Qual é o problema das regras atuais?

O problema não é a regra em si, que até faz sentido. Se o gasto cresce no máximo o equivalente a 70% do aumento da receita, ao longo do tempo tenderia a se ajustar. O problema é a inconsistência entre essa regra geral e algumas específicas. É o caso do reajuste real salário mínimo e da vinculação das despesas com saúde e educação, presentes desde o primeiro momento do arcabouço. Essa inconsistência não foi resolvida nem o será no atual governo. Ou muda a regra geral do arcabouço para permitir mais gasto ou mudam essas duas regras específicas.

E o que se pode esperar para 2027?

Tudo vai depender de quem vencer a eleição. Se houver mudança na Presidência da República, pode haver desdobramentos naturais no contexto de mudança do ocupante do Planalto, com alteração da política econômica. Se o presidente for reeleito, tenho curiosidade para saber o que fará.

Por quê?

Porque é impossível não mudar. Todo ano, é preciso apresentar o orçamento do seguinte até 31 de agosto. Antes, é preciso apresentar as linhas gerais, no projeto de lei de diretrizes do orçamento (PLDO), que precedem a elaboração do orçamento, costumam ser apresentadas em abril. Nesse protocolo, o governo é obrigado a apresentar ao Congresso o cenário fiscal que espera nos anos seguintes. E no neste ano, o governo criou um conceito que é oxímoro (figura que combina noções opostos, como "Gigantinho", que surpreendeu o uruguaio Jorge Drexler).

Qual seria?

Inventaram o conceito de "gasto negativo". É uma aberração contábil. É como se no orçamento familiar, o cidadão tivesse um salário de R$ 10 mil e depois de pagar comida, escola do filho e outros e incluísse "gasto negativo" de R$ 1 mil com lazer (para fechar a conta em R$ 10 mil, mas na verdade é de R$ 11 mil). Isso não existe. Como o Excel aceita tudo, foi a forma que encontraram de fechar a matemática. Parece piada, mas foi assim que foi feito.

Para que serviu o "gasto negativo"?

O orçamento é elaborado a partir das despesas obrigatórias. O que sobra, no total de gastos permitido pelo arcabouço, é o que se chama, no jargão fiscal, de "despesas discricionárias". Mas é mal chamada dessa forma, porque, por mais estranho que pareça, na verdade são quase todas também obrigatórias. A despesa das intocáveis emendas parlamentares é obrigatória.

Como crescem de acordo com o aumento da receita, o espaço para as discricionárias diminui. Para conseguir incluir as "discricionárias obrigatórias", incluíram o tal gasto negativo. É por isso que, em algum momento, será preciso mudar ou a regra geral ou as regras específicas. O líder do PT (na Câmara), Lindbergh Faria, disse no domingo passado (8) que o governo não tem intenção de mudar as regra de saúde e educação e do reajuste do salário mínimo. Então, o que teremos serão medidas cosméticas.

Resumir o ajuste a essas medidas  provoca sempre a reação de que "cortam só no andar de baixo", não?

Vou divergir da relatora (risos). É uma forma muito equivocada de apresentar as questões. Não haverá perda de valor recebido por quem ganha salário mínimo, nem dos recursos da saúde. Isso não está em pauta. No dia em que for feito, ninguém vai tirar um centavo da educação. Quem ganha salário mínimo não vai receber um centavo a menos. A discussão é sobre qual será a regra de reajuste a partir de determinado momento, porque essa é uma despesa que aumenta loucamente A conta não fecha nunca. As sentenças judiciais embaraçaram um pouco, mas o INSS, de 2021 em diante. só aumenta como proporção do PIB. Estamos novamente em trajetória de elevação sistemática desse relação.

Não seria necessário conter também o gasto com emendas e o custo tributário, ou seja, incentivos fiscais?

Com certeza. Temos um regime de irresponsabilidade compartilhada. O Executivo é irresponsável, tem uma situação que nos leva à insolvência, se for mantida. E o Legislativo não se considera parte da equação, mas tem poder de veto sobre o Executivo. Para qualquer observador da realidade que conheça um pouco da questão fiscal, o regime é disfuncional. Ninguém no Congresso se sente responsável. Cada um pensa na sua própria paróquia.

E por que, na semana caótica do ponto de vista do orçamento, o dólar ignorou o problema?

É que o mundo está de pernas para o ar. Tivemos um caso extremo. Foi como se Lula enviasse tropas federais para São Paulo à revelia do governador (referência ao envio do Exército dos EUA à Califórnia). É algo próximo de um Estado de sítio. Antes, o dólar iria para a Lua, porque é uma instabilidade institucional de república de bananas. É a situação em que o famoso porto seguro é qualquer coisa menos seguro. Nas atuais circunstâncias, o investimento vai para o resto do mundo.

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